[Lyric] Coração de Mãe (Face da Morte)

[Verso 1: Aliado G, Mano Ed]
Dois no comprimento, dois na largura
5mm, qualquer pedra bate e fura
É, sim, é brasilite, as parede é maderite
O barraco é humilde, mas dignidade existe
Vem, po' chegar, senta aí, fica a vontade
Pro café não tem xícara, é copo de massa de tomate
Se quiser, tem cigarro, tô o isqueiro, po' acender
Só não repara a marca, é melhor ter que não ter
Não tenho nada a oferecer, mas agradeço a visita
Nunca imaginei que ia receber um jornalista
Jornalista ainda não sou, ano que vem eu quero ser
E você vai me ajudar a concluir meu TCC
Objeto de estudo são as mães de detento
Sua vida aqui fora, sua visão do que é lá dentro
Ô, pêra aí, moço, vê direito qual que é
Tô com um filho em Bernades e o marido em Avaré
Barraco é pequeno, vive eu e o sofrimento
Pois, além de ser mãe, eu sou esposa de detento
Problema não vai dá, mas vai mexer com a sua dor
Se a senhora autorizar, eu tô ligando o gravador
[Refrão]
E nessa estrada eu vou
Sonhos e ilusões
O amor já não me vê
Me perco entre canções
E nessa estrada eu vou
Sonhos e ilusões
Quando o amor compor
Me encontra nas canções

[Verso 2: Aliado G, Mano Ed]
Sem crise, sem terror, po' ligar seu gravador
Companheiro é o sofrimento, mas o alimento é (?)
Quer saber minha rotina, prepara sua retina
Abre os ouvidos que eu vou abrir a cortina
É, meia-noite a carruagem vira abóbora
Adormece Cinderela e o sonho vira pólvora
Favela não tem fada, aqui à vida é foda
48 horas e uma cadeira de rodas
É fuga, fita, marido paraplégico
A saída: faxina, comida, remédio
Eu sustentava o barraco, ele morria de tédio
Sete anos atrás era uísque e energético
A vida é tempestade, às vezes bonança
O fruto do amor é só a ponta de esperança
Escola, purguinha, pipa, bola
Vê o filho crescer é viver pra ele agora
De repente, um truta dele, um tal de Zé Vicente
Resgatado num comboio na região de Prudente
Descobriu nosso endereço
Tem gente aí fora
Foi ideia a noite inteira, uísque e pó até umas horas
[Refrão]
E nessa estrada eu vou
Sonhos e ilusões
O amor já não me vê
Me perco entre canções
E nessa estrada eu vou
Sonhos e ilusões
Quando o amor compor
Me encontra nas canções

[Verso 3: Aliado G, Mano Ed]
Naquela visita, um quilo de cocaína
Uma semana depois, toda noite tinha fila
De carro, de moto e eu quase louca
Não pude evitar, minha casa virou boca
Alguns anos depois, eu no varal pegando roupa
Polícia!
Normal, é mensal o acerto da boca
Dessa vez, sem acerto um tal Cabo Jose
Todo mundo no chão é fragrante artigo 12
A herança do pai, o destino do filho
15 anos de idade, a boca é do menino
Cresceu, prosperou, ficou famoso, 'cê sabe
Aniversário de 20 comemorou em Bernades
Horas de buzão, 'cê vê meu sacrifício
Madrugada gelada, eu na calçada feito lixo
Me lembro do primeiro bolinho do meu filho
Barraco lotado, parabéns, primeiro aninho
A foto tá no armário, na mente, no coração
Engatinhou, depois andou, eu segurando pela mão
Lembranças trazem lágrimas, gotas de paixão
O bolo na bancada esfaqueia o meu coração
[Refrão]
E nessa estrada eu vou
Sonhos e ilusões
O amor já não me vê
Me perco entre canções
E nessa estrada eu vou
Sonhos e ilusões
Quando o amor compor
Me perco entre canções

[Ponte]
É, no aeroporto é diferente, não esfaqueia o bolo
Lá é raio-X, detector de metal, privilégio pra rico
Humilhar o pobre é coisa normal
É isso meu filho, isso reflete a tal luta de classe
Agora vai divulga tudo lá na sua linda faculdade

[Refrão]
E nessa estrada eu vou
Sonhos e ilusões
Quando o amor compor
Me encontra nas canções